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quinta-feira, 4 de junho de 2009

Cesário Verde, o poeta descontextualizado

“Além de ser uma réplica do realismo irónico queirosiano (…) o realismo lírico de Cesário Verde será o seu esforço de autenticidade anti-retoricista, com versos magistrais, salubres e sinceros.”

Perante a realidade do século XIX com que não pactuava, Cesário Verde procurava produzir uma poesia transgressora e reflexiva que criticasse a tradição, os padrões e as normas do seu tempo. Para tal, usufruiu da ironia e abusou das hipérboles, lançando-se recatadamente no modernismo, um período literário futurista relativamente ao século em questão. Combinando percepções de fenómenos físicos e morais diferentes, obtêm-se, por vezes, contradições que demonstram, por isso mesmo, a ironia característica tanto de Cesário como de Eça de Queirós – “Fatné esperava-os, majestosa e obesa…” (Eça); “Um cheiro salutar e honesto a pão no forno.” (Cesário Verde).
O facto de ser acusado de descontextualizado, renovador e reformista devido ao desenquadramento num movimento literário ou, por outro lado, à adopção de todos eles, levou Cesário Verde a tornar-se um autor de referência do século XX. Dentro dos movimentos literários seguidos pelo autor lisboeta, podem destacar-se alguns que tomam um papel mais importante: o realismo (o movimento que reúne mais consenso quando se trata de classificar a poesia de Cesário Verde), onde o poeta, também naturalista, expõe o seu interesse pela captação do real e atenção no mundo exterior e nos seus pormenores e detalhes cruciais - movimentos, luzes, atitudes e cores – deixando-se absorver pelas formas concretas e materiais que o farão descrever quadros e atitudes provenientes da realidade nos seus poemas; o parnasianismo, renovado por volta de 1850, centra-se no ideal ars gratia artis (arte pela arte) que frisa a mera reprodução da realidade directamente observada em formas e cores, sem qualquer tipo de sentimentos e valorizando unicamente a beleza do artesanato do poeta, podendo-se ainda asseverar no âmbito desta corrente literária que Cesário utiliza os temas do quotidiano citadino e campestre por traduzirem o exterior, com uma enorme formalidade através da beleza e musicalidade da sua poesia pelos versos decassilábico e alexandrino, do uso de adjectivos que, embora seja abundante, não deixam de ser ricos e expressivos e assim como a utilização de recursos estilísticos tais como aliterações, imagens, metáforas e sinestesias; o impressionismo (que também “herdou” de Eça para além da ironia), de uma vertente pictórica, revela as suas emoções poéticas que só se expressam após terem sido despoletadas pelo que o exterior em si provocou através da visão, principalmente factores muito importantes e tomados como substantivos e não como adjectivos como por exemplo a cor e a luminosidade.
O “versos magistrais, salubres e sinceros” traduzem a ideia de versos simples, limpos e honestos. A palavra “magistrais” utilizada por Cesário em “O Sentimento dum Ocidental” surge de forma a confessar a importância que o autor dava aos seus poemas, crendo verdadeiramente que estes seriam destacadamente referenciados na literatura no futuro. O poeta tenta fazer passar a ideia de verdade sem elaborar linguisticamente os seus versos, sem lhes aplicar a arte de bem falar tradicional, tomando assim uma posição anti-retoricista. Aliás, Cesário até compôs a sua própria definição de retórica como sendo a visualização, selecção e realce das impressões, alternando e contrastando as suas características. Porém, e embora os seus versos não possuam um estilo rococó, cheio de rodeios, enfeites e floreados, adquirem um carácter difuso, apresentando associações inesperadas entre os elementos frásicos e jogos de palavras que transformam os versos ditos como simples em versos de complexa compreensão.