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domingo, 21 de dezembro de 2008

"Não há meias liberdades" de Manuel Alegre

Declaração política na Assembleia da República
29.03.2007

“Senhor Presidente, senhores Deputados
Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista queria aqui expressar o mais vivo protesto e o nosso repúdio por um cartaz que apareceu hoje no Marquês de Pombal, em nome de um chamado Partido Nacional Renovador, com palavras de ordem de carácter xenófobo e racista, contrárias à Constituição da República, aos valores essenciais da democracia e aos princípios de tolerância que têm pautado a nossa vida democrática.
Além disso isto é um atentado a valores essenciais da nossa cultura. Aqueles que dizem “Portugal aos portugueses” estão a fazer uma afirmação contra Portugal e contra os portugueses. Nós fomos um país de emigrantes, defendemos sempre a integração dos nossos emigrantes nos países onde trabalham, mas hoje somos um país de imigrantes e defendemos uma política de inclusão, que é uma política essencial à consolidação da nossa democracia e ao desenvolvimento do nosso país.
E àqueles que pretendem dar lições de portuguesismo partindo de valores de intolerância e de racismo, quero lembrar o nome de Luís de Camões, que na língua portuguesa escreveu dois dos mais belos poemas de amor anti-racista: um dedicado a uma mulher negra, as "Endechas a Bárbara Cativa", e outro a uma mulher chinesa, o soneto mais célebre da língua portuguesa, “Alma minha gentil que te partiste”.
Um grande europeu, André Malraux, que foi também na sua juventude um anti-fascista, disse que “o racismo é o mal absoluto”, um mal que nós temos de condenar com todas as nossas forças, fazendo respeitar a nossa Constituição, os valores essenciais da nossa democracia e os princípios da tolerância sem os quais não pode haver convivência democrática.”
Em resposta às intervenções de apoio vindas de todas as bancadas, Manuel Alegre afirmou ainda:
“Quero congratular-me com as intervenções que foram feitas por todas as bancadas e também pelo senhor ministro dos Assuntos Parlamentares e verificar que há uma grande sintonia na condenação do conteúdo racista, xenófobo e anti-democrático daquele cartaz.
E queria dizer também que não há meias liberdades. A liberdade ou é ou não é. E quando se ameaça a liberdade de alguns, ameaça-se a liberdade de todos. E quando se defende a exclusão de alguns, defende-se a exclusão da liberdade e a exclusão da democracia.
E por isso nós não podemos fechar os olhos nem podemos tapar os ouvidos. Há um dever de pedagogia política e de pedagogia democrática, que nem sempre tem sido feita. Tem havido uma grande inibição, uma grande timidez e parece que uma grande cerimónia na defesa dos nossos princípios, dos nosso valores e no exercício de uma pedagogia democrática, sobretudo em relação às gerações futuras.
E nós também não podemos ter uma contemporização excessiva com a intolerância, com manifestações de racismo, com a agressão àqueles que escolheram o nosso país para nele viver e para nele trabalhar. Aqui também há uma responsabilidade política dos partidos políticos, daqueles que estão representados nesta Câmara.
Mas também há uma responsabilidade das autoridades públicas. Eu penso que existem as leis suficientes. Existe a Constituição da República, existem os tribunais, existem o Ministério Público e as autoridades públicas. E essas têm também que assumir as suas responsabilidades. Porque aqui há fronteiras que não podem ser ultrapassadas. Como disse o senhor ministro ( e eu concordo perfeitamente com essa célebre frase ): “Não devemos permitir que a serpente germine no ovo”.
Não se trata de responder à intolerância com intolerância. Trata-se de nós sermos firmes e de não termos vergonha nem complexos de defender os nossos valores que são os valores da tolerância, da democracia, dos direitos humanos e da liberdade para todos.”
Manuel Alegre discursa perante os deputados na Assembleia da República sobre o polémico cartaz do PNR. Defende que Portugal é um país tolerante e não seguinte de ideias racistas ou xenófobas. Apresenta diversos argumentos a favor da sua tese: argumentos de autoridade quando faz referência a citação de celebridades (“o racismo é o mal absoluto”; “Não devemos permitir que a serpente germine o ovo.”) e argumentos exemplificadores quando menciona o facto de Portugal ter sido um país de emigrantes e de presentemente ser um país de imigrantes. Dá ainda o exemplo de dois poemas de Camões de modo a realçar os seus argumentos.
Manuel Alegre, o orador, adopta para o seu discurso uma estrutura dedutiva em parte da ideia geral (tese) para a análise dos argumentos escolhidos.
O auditório aderiu incondicionalmente à tese de Manuel Alegre após este ter argumentado, talvez por partilhar desde do início da mesma opinião que ele. Manuel Alegre agradeceu o apoio enfatizando ainda mais o seu discurso com argumentos que visam apelar às emoções do auditório, remetendo muitas vezes para a democracia e para os princípios que sempre foram defendidos por Portugal. O deputado atribui responsabilidades tanto à população como a autoridades públicas de modo a universalizar a tese para que esta seja recebida por todos.
Este discurso argumentativo apresenta alguns recursos estilísticos: invocação (“Senhor Presidente, senhores Deputados”); anáfora (“E quando se ameaça a liberdade de alguns, ameaça-se a liberdade de todos. E quando se defende a exclusão de alguns, defende-se a exclusão da liberdade e a exclusão da democracia.”) e enumeração (“Existe a Constituição da República, existem os tribunais, existem o Ministério Público e as autoridades públicas.”). É de salientar a ausência de figuras estilísticas muito frequentes na argumentação: a interrogação retórica e a exclamação.
Manuel Alegre utiliza uma linguagem natural adaptada ao auditório que quer persuadir, com a finalidade de este compreender eficazmente cada argumento. O tipo de linguagem utilizada influencia a adesão ou não adesão à tese por parte do auditório.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Memória ao Conservatório Real

Garrett conta que a história de Frei Luís de Sousa tem a mesma simplicidade que uma fábula trágica antiga. A extrema-unção e a sensibilidade cristãs estão presentes nela “acendendo até nas últimas trevas da morte, a vela da esperança que não se apaga com a vida”.
Afirma que a renuncia de Prometeu cravado de cravos no Cáucaso, os remorsos de Édipo e os terrores de Jocasta não são mais sublimes que as próprias personagens da história Madalena de Vilhena e Manuel de Sousa Coutinho.
Garrett escreveu em prosa, pois não queria outro ritmo que não esse a ser deduzido pela forma harmoniosa e suave de Frei Luís de Sousa. Preferiu-o a “imitar o grande modelo”.
Pela sua forma, a obra de Garrett é um drama; pela sua índole, a obra de Garrett é uma tragédia antiga.
Há muitos anos, Garrett encontrou um teatro ambulante, onde assistiu a uma comédia cujo assunto era “Frei Luís de Sousa”. A princípio, aquela peça não lhe suscitou qualquer emoção, só depois de ler Memória do Sr. Bispo de Viseu, D. Francisco Alexandre Lobo e padre Frei António da Encarnação, se apercebeu da grandiosidade e beleza da peça.
Informa que não se julga obrigado a apresentar a verdade da História.
Garrett oferece a obra ao Conservatório Real de Lisboa, deposita total confiança neste ter sido útil à literatura renascente, reunindo características veneradas pelo escritor.
Salienta que num século democrático como o de então, o que se fizer é pelo e com o povo. O povo sendo povo, quer verdade.
Almeida Garrett despede-se, afirmando que “o real e o necessário da vida” é o trabalho e não o lazer.